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ESTUDO DAS RELAÇÕES IMOBILIÁRIAS FRENTE ÀS MEDIDAS DE MITIGAÇÃO E SUPRESSÃO DO COVID-19

ESTUDO DAS RELAÇÕES IMOBILIÁRIAS FRENTE ÀS MEDIDAS DE MITIGAÇÃO E SUPRESSÃO DO COVID-19

 

Renan Marim Prado[1]

 

Dentre as legislações aplicadas às relações imobiliárias, encontra-se a Lei nº 8.245/91 – Lei do Inquilinato – que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e, de forma subsidiária, o Código Civil de 2002.

Em primeira análise, em que pese a Lei do Inquilinato, por ser mais específica, deveria se sobrepor sobre as demais, referida legislação não regulamenta as relações imobiliárias na ocorrência de eventuais fatos que não estão acobertados pelos riscos do contrato, como o caso da Pandemia causada pelo COVID-19. Por essa razão, qualquer decisão a ser tomada deve ser fundamentada conforme às determinações estabelecidas no Código Civil e à jurisprudência aplicada em casos análogos.

De acordo com o Código Civil, os artigos 421, parágrafo único e 421-A, inciso III, estabelecem que a liberdade contratual deve ser exercida nos limites da função social do contrato, sendo, presumidamente, simétricos e igualitários, até que surjam elementos concretos que justifiquem sua revisão. Contudo, há situações denominadas de caso fortuito e força maior que interferem diretamente no equilíbrio contratual e tornam impossível ou excessivamente onerosa uma obrigação assumida, como é o caso do COVID-19, pois, o poder público, seguindo as orientações da OMS, impõe o isolamento social e a proibição da abertura do comércio. Tais medidas restritivas, impostas pela administração pública, de uma certa maneira, além de restringir o uso e o gozo do imóvel locado, inviabiliza a sua atividade comercial, fazendo com que a fonte de renda seja reduzida, por conseguinte, desequilibrando assim a relação contratual estabelecida com o locador.

Dentre as alternativas que a legislação prevê em casos como esse, o art. 393 do Código Civil viabiliza que, na ocorrência de caso fortuito ou de força maior, o devedor deixe de responder pelas obrigações assumidas no contrato. Todavia, ainda que o descumprimento da obrigação pelo locatário seja, em tese, uma medida permitida pela lei, tal posicionamento contraria fatores que também devem ser considerados no momento da aplicação da lei ao caso concreto, como a preservação da economia, princípios como o da boa-fé, da paridade entre as partes e o próprio equilíbrio contratual.

Deve ser considerado que, embora o locatário esteja impedido de desenvolver suas atividades em razão de motivos alheios à sua vontade, o locador também se encontra impedido de usufruir do imóvel da maneira que lhe convém, haja vista que, supõe-se que o local continua sendo utilizado pelo locatário, ainda que como abrigo de seus pertences, mercadorias e afins.

Assim, em outra vértice, o art. 317 preconiza que, na hipótese de fato imprevisível que torne o valor de uma obrigação contratual desproporcional, há a possibilidade de revisão contratual, com o intuito de adequar o valor da obrigação à nova realidade, reestabelecendo o equilíbrio contratual. Veja-se:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

No mesmo sentido, os art. 478, 479 e 480, a seguir:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Verifica-se nos artigos supra, que o art. 478 até autoriza que, diante de fatos extraordinários e imprevisíveis, o contrato pactuado entre as partes seja resolvido. Contudo, os artigos seguintes preconizam a revisão contratual como o meio adequado de se evitar drástica medida. Tais dispositivos traduzem o que a doutrina denomina de Teoria da Imprevisão, que nada mais é que a possibilidade de se rediscutir os preceitos contidos na relação contratual devido a um acontecimento imprevisível e não imputável às partes, como o caso do COVID-19. E é com base nesses dispositivos que tendem a ser analisadas as futuras decisões judiciais sobre o tema. A título exemplificativo, a recente decisão do magistrado da 25ª Vara Cível de Brasília nos autos sob o nº 0709038-25.2020.8.07.001 que, em sede de tutela antecipada de urgência, permitiu ao locador a supressão do pagamento de aluguel em razão das medidas impostas pelo Poder Público frente à pandemia.

Citado caso, refere-se à tutela cautelar antecedente, na qual a parte Autora (uma loja de um Shopping Center) pleiteou a suspensão da exigibilidade de todas as obrigações pecuniárias do Contrato de Locação havido com a Imobiliária, em razão da suspensão das atividades e da restrição à circulação de pessoas advindas da pandemia COVID-19.

Referido pleito foi parcialmente deferido, entendendo o juízo que, em virtude da ocorrência de fato imprevisível, sob o fundamento do art. 317 CC, a suspensão de parte do contrato (aluguel mínimo e do fundo de promoção e propaganda) seria possível, contudo deveria ser mantido o valor devido a título de condomínio, já que se reduziria naturalmente, diante da diminuição dos gastos para manter o estabelecimento fechado e por envolver despesas devidas a terceiros de boa-fé.

Diante de todo o exposto e de todos os dispositivos que regulamentam as relações contratuais, conclui-se que, apesar de haver a possibilidade de suspensão do pagamento do aluguel e a resolução do contrato, a melhor maneira de se evitar eventual litígio é o diálogo e a realização de um acordo entre os envolvidos. Como alternativa para a resolução desse conflito, sugere-se a redução do valor da parcela, a prorrogação do vencimento, a diluição das parcelas nos meses subsequentes, os pagamentos em porcentagem do faturamento da empresa. Enfim, o que for necessário para a manutenção da boa relação entre as partes e a manutenção da vigência contratual.

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[1] Advogado no escritório Mantovani & Bernabé Advogados Associados

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